Por Douglas Barreto da Mata
Desde que o mundo é mundo existem pessoas dedicadas à execução de golpes, usando como “isca” para atrair suas vítimas o falso exercício de algum tipo de caridade ou filantropia.
Com o advento das redes sociais esse fenômeno explodiu, e não raro vemos imagens de crianças e adultos enfermos, algumas até falecidos, sendo utilizadas para atrair doações de pessoas boas de coração.

A administração pública também não escapa a esse pessoal.
O exemplo clássico e histórico desse tipo de ação criminosa tem nas entidades beneficentes, filantrópicas, ONGs, e outras do gênero, um terreno fértil para a consumação dessas fraudes com dinheiro público.
Claro que há boas entidades, na verdade, elas são a maioria.
Mas há aquelas dedicadas à subtração de verbas, geralmente, para enriquecimento ilícito de seus provedores, patronos e diretores.
Esse pessoal se aproveita das carências no setor público, e das dificuldades burocráticas para a gestão complexa da saúde pública, principalmente das redes secundárias e terciárias de atendimento de média e alta complexidade, e atacam os orçamentos, se colocando como uma saída eficiente (e mais barata) para o problema, sendo que a eficiência e a rapidez ficam restritas mesmo a dilapidação do erário.
São as chamadas redes complementares de saúde, mas que de tão poderosas, acabaram por substituir a rede pública, absorvendo quase todo dinheiro repassado pelo SUS.
Diga-se, a contratualização de serviços de saúde é uma escolha política discricionária do prefeito ou governador, contra a qual só cabe um juízo político, apenas.
Porém, o problema é que alguns gestores destas entidades enxergam aí uma oportunidade para enriquecimento ilícito.
Campos dos Goytacazes não é diferente, e por muito tempo a rede contratualizada assumiu quase todos os atendimentos de média e alta complexidade, por uma escolha dos administradores da coisa pública.
Os valores repassados para o ano chegam a mais de 200 milhões de reais.
Tais montantes, são maiores aos disponíveis para o município tocar sua rede primária de atendimento, incluídos aí as emergências e urgências, UBS, etc.
Mesmo assim, de forma perene, os hospitais ligados a tais entidades vivem reclamando de falta de recursos e/ou atrasos nos repasses, ameaçando suspender atendimentos, e retendo salários de seus funcionários.
Se não fossem entidades filantrópicas, que têm por missão primeira a ajuda ao próximo, ficaríamos desconfiados de que o atraso em pagar os médicos, diante de tais valores, é alguma forma de chantagear o município, como naqueles casos das empresas de ônibus, que usam motoristas e cobradores como massa de manobra, para subir o preço das tarifas do serviço.
Não deve ser o caso.
Ora, mas por certo tem alguma coisa errada, e parece que a PMCG precisa repensar essa relação, já que o modelo, mesmo com tantos recursos, não deu certo.
Além de repensar, não seria demais fazer algumas perguntas, já que o setor hospitalar filantrópico da cidade tem um histórico conturbado de suspeitas de dupla cobrança (consulta “social” que é cobrada do SUS), de desvios de recursos, superfaturamento de compras, etc, que já ensejaram ações policiais e ministeriais, inclusive com intervenção.
Por exemplo, será que as entidades aceitariam, já que alegam dívidas pela prefeitura, se submeter a uma criteriosa auditoria independente, feita pelo MPF, para confrontar os dados da regulação do município e aqueles cobrados pelas entidades?
Aceitariam também uma olhada nas aquisições de equipamentos e serviços feitos com dinheiro público, sejam as emendas parlamentares ou repasses?
É claro que precisamos ressaltar que há filantropia e pilantropia.
Mas a discussão sobre esse valor de 100 milhões, alegadamente, devidos pela municipalidade, pode servir para alimentar esse necessário debate.
Servirá para subsidiar, por exemplo, essa ótima discussão sobre a migração dos serviços de saúde para a rede própria da cidade, deixando apenas o complemento para as entidades privadas.
Enfim, pode servir ainda para o MPF descobrir, junto com a polícia, se há lobo em pele de cordeiro, fiéis daquele estranho culto:
A desgraça alheia é a minha riqueza.